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Baianize e o fazer cultural na universidade

Em um cenário em que a universidade, por vezes, se limita ao exercício técnico do saber, experiências que tensionam essa lógica e reposicionam o estudante como agente cultural ganham contornos de urgência e valor. O Baianize, realizado entre os dias 14 e 16 de maio de 2025 no Centro Universitário Anísio Teixeira (UNIFAT), em Feira de Santana, foi mais do que um evento de extensão. Ele representou uma manifestação coletiva de identidade e memória, uma expressão viva da Bahia que resiste, se reinventa e se reconhece nos próprios gestos.

Idealizado por estudantes dos cursos de Jornalismo e Publicidade, com a colaboração essencial de áreas como Design de Moda, Gastronomia e Estética e Cosmética, o projeto apresentou uma proposta ampla e articulada: vestir, criar e degustar a Bahia por meio de ações que envolvessem o corpo, os sentidos, a história e o território. O que se construiu ali foi um conjunto de atividades culturais e um campo fértil de experiências interdisciplinares que devolveram ao ambiente universitário a capacidade de dialogar, de provocar e de pulsar junto com as raízes que sustentam a sua própria existência.

Acervo Baianize

A integração entre os cursos promoveu o encontro de saberes que, muitas vezes, podem ser vistos compartimentalizados dentro da estrutura acadêmica. Foram realizadas oficinas sobre a valorização de cabelos naturais como símbolo de força e resistência, rodas de conversa sobre ancestralidade e pertencimento, workshops que abordaram a culinária dos biomas baianos e o fuxico enquanto herança bordada pelas mãos de mulheres. Cada parte da agenda foi pensada para fazer do ato educativo uma experiência imersiva e significativa. Ao ocupar os espaços da universidade com sons, cores, texturas e narrativas que fogem da racionalidade fria do conteúdo programático, o evento construiu uma espécie de currículo expandido, onde o aprender estava impregnado de afeto, identidade e coletividade.

Ao trazer para o centro do debate temas que atravessam o cotidiano, o Baianize ofereceu ao público uma Bahia que não cabe nas vitrines, tampouco nos discursos genéricos sobre cultura popular. Essa Bahia foi apresentada de forma plural e, ao mesmo tempo, profundamente enraizada, numa costura simbólica entre tradição e contemporaneidade que escapava das soluções e abordagens fáceis. A costura feita ali, com fios de vivência e intenção, foi também uma política do reconhecimento, do cuidado com a memória e do fortalecimento de vínculos.

Outros eventos baianos partem da mesma premissa de valorização cultural, mas seguem caminhos distintos. O Paisagem Sonora, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, propõe uma articulação entre som, memória e território, tendo como base a arte contemporânea de matriz afro-brasileira. Já a Flipelô, consagrada festa literária no Pelourinho, utiliza a palavra como fio condutor para celebrar a herança de autores como Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro e tantas outras vozes que moldaram a literatura da Bahia. O Baianize, no entanto, constrói sua singularidade ao assumir o cotidiano como objeto pedagógico e o corpo como lugar de enunciação. Ele afirma que a cultura se expressa não apenas nos livros, palcos ou galerias, mas também nas tramas do tecido que se veste, na textura do alimento que se partilha e na linguagem estética que se manifesta em cada escolha intencional.

Através de sua atuação, o Baianize deixou clara a potência da universidade como território de experimentação cultural. As imagens e registros disponíveis no Instagram oficial do evento ilustram uma pluralidade de vivências que celebram a Bahia e propõem uma leitura complexa e generosa sobre quem somos, de onde viemos e como podemos ensinar e aprender a partir disso. Não se tratou apenas de montar um evento, e sim de inscrever uma nova possibilidade de fazer acadêmico, um que valoriza o saber local, reconhece o poder das ancestralidades e entende que tradição e inovação não se opõem, elas se alimentam mutuamente.

Ao envolver estudantes como protagonistas, o projeto ampliou seu impacto para além da estética. Ele reposicionou a importância da juventude universitária na perpetuação das identidades culturais e mostrou que, quando há escuta, liberdade criativa e intencionalidade pedagógica, é possível transformar qualquer espaço acadêmico em um palco legítimo de transformação social.

O Baianize, portanto, não foi apenas bem executado. Ele foi necessário. Foi relevante. E, sobretudo, foi didático em sua própria essência. Ao invés de se restringir ao formato de aula tradicional, a proposta ensinou por meio da prática, do encontro e da partilha. Ensinou que cultura não se transmite, se vive. E ao viver essa cultura de forma coletiva, crítica e sensível, os estudantes construíram uma narrativa que merece ser celebrada, replicada, documentada e assumida como horizonte para a universidade que deseja se manter conectada com a realidade que a circunda.

Ao fim, o que se testemunhou nos corredores da UNIFAT foi a afirmação de um projeto que entende a educação não apenas como mera transmissão de conteúdo, mas como construção de sentido. Um evento que, mais do que representar a Bahia, a encarnou. Que sirva de referência, de memória e de inspiração para as tantas outras experiências culturais ainda por vir, dentro e fora da academia.

Escrito por: Victória Seixas

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