Tiquaruçu, distrito de Feira de Santana, é palco de uma das festas populares mais antigas e queridas da Bahia: o reisado. Fundado no século XVII, o local preserva essa tradição desde 1816, atraindo moradores e visitantes para celebrar a fé, a cultura e as cores do sertão. O reisado, que começa no dia 14 de dezembro e vai até o Dia de Reis, em 6 de janeiro, é uma mistura de festa e devoção, com raízes que atravessam o Atlântico.
A tradição, trazida pelos portugueses no período colonial, foi adaptada no Nordeste com influências africanas e indígenas, resultando em uma celebração única. A festa representa a visita dos três reis magos – Gaspar, Melchior (ou Belchior) e Baltazar – ao local de nascimento de Jesus. Mas o reisado é muito mais do que isso: é uma folia cheia de vida, onde música, dança, teatro e culinária se misturam, dando um toque especial ao Natal
sertanejo.
Cores, ritmos e dança pelas ruas
Grupos chamados “Campanhas de Reis” percorrem as ruas de Tiquaruçu com roupas vibrantes e chapéus decorados com fitas, lantejoulas e penas. Cada grupo carrega uma bandeira exclusiva, uma espécie de “estandarte” com imagens religiosas, símbolos da fé e dos santos. As bandeiras são levadas com reverência, e cada grupo tem sua própria, transmitida de geração em geração.
A música é um espetáculo à parte: as Campanhas de Reis tocam sanfona, triângulo, pandeiro, zabumba e violão, numa batida contagiante que chama o povo para dançar. As canções narram a jornada dos reis magos até Belém, e a cada parada o grupo canta em versos sobre a história do Natal, o nascimento de Jesus e a paz.
Visitas de casa em casa e comidas típicas
Durante o cortejo, os grupos fazem paradas nas casas de moradores, onde são recebidos com pratos típicos da região, uma tradição que reforça os laços entre a comunidade. Cada anfitrião prepara quitutes que simbolizam generosidade e acolhimento. Entre as comidas oferecidas estão a tapioca, bolo de milho, bolos de mandioca e aipim, beiju, cuscuz e doces de frutas, como a goiabada e o doce de mamão. É comum também servir canjica e
mungunzá, pratos que têm como base o milho, além de sucos e o tradicional café nordestino.
Para os anfitriões, receber as Campanhas de Reis é um sinal de bênção. Em troca, o grupo canta e ora pela família, desejando proteção e saúde para o novo ano. A cada visita, a casa ganha uma espécie de “benção musical”, e os sons e cantos vão se espalhando por toda a comunidade.
Encenações e teatro popular
Em algumas paradas, os integrantes também encenam pequenas peças teatrais e recitam versos sobre os reis magos. Esses momentos cômicos e dramáticos retratam a viagem dos reis até Belém, misturando elementos religiosos com humor e sátiras sobre o dia a dia. Essa teatralidade é uma das marcas do reisado, que combina o sagrado com o popular.
O grande dia: a celebração do Dia de Reis
No dia 6 de janeiro, o Dia de Reis, ocorre o encerramento da festa com uma missa especial. Nesse dia, também se celebra o momento em que os reis finalmente encontram o menino Jesus. É a data em que muitos retiram os presépios e desmontam as árvores de Natal, simbolizando o fim das festas natalinas. Durante a missa, as bandeiras das Campanhas de Reis são abençoadas, e a comunidade se despede do ciclo natalino com orações e gratidão.
Para os moradores de Tiquaruçu, o reisado é uma tradição que vai muito além de uma simples festa: é uma celebração que reforça a identidade local, aproxima gerações e mantém viva as memórias da cultura nordestina. No fim, o reisado é uma grande expressão de fé e alegria, onde o sagrado e o popular se encontram, e onde todos compartilham a mesma devoção e o mesmo desejo de esperança para o novo ano.
Escrito por: Brenda Daniele