Por: Ketheleen Serra e Beatriz Sousa

Plantação de algodão da Fazenda Warpol, do grupo Busato – Foto: Ketheleen Serra
Maior produtor mundial de algodão não irrigado, o Oeste baiano une genética de precisão, rastreabilidade via QR Code e gestão hídrica rigorosa para criar uma cadeia produtiva exemplar, que garante seu lugar nos mercados mais exigentes e eleva o padrão ESG do agronegócio nacional.
Em um cenário de intensa pressão global por práticas agrícolas que garantam segurança alimentar e ambiental, o Oeste da Bahia se consolida como um laboratório de excelência. A região, que representa cerca de 25% da produção nacional de algodão, alcançou um feito que a projeta no cenário internacional: é o maior polo de algodão de sequeiro (não irrigado) do mundo, com mais de 66% da área total plantada sob esse regime, contra 34% de área irrigada.
A força da genética e do solo
A base da liderança baiana no mercado de algodão está na sua capacidade de produzir mais em condições mais desafiadoras. A média estimada para a safra 2024/2025 é de 4.665 quilos por hectare (kg/ha) de algodão em pluma, distribuídos em mais de 413 mil hectares. Esse índice coloca a Bahia em um patamar de referência global, especialmente por se tratar de lavouras de sequeiro, que dependem apenas da chuva.

Júlio Cezar Busato, produtor associado à ABAPA – Foto: Ketheleen Serra
De acordo com Júlio Cezar Busato, produtor rural e associado da ABAPA, a Bahia conseguiu transformar limitações naturais em diferencial competitivo. Para ele, a performance baiana só é possível porque o setor entendeu cedo a importância da genética e do manejo de solo.
“É o algodão que tem a maior produtividade do algodão não irrigado do mundo. Estamos ali com cinco toneladas por hectare, que é duas vezes e meia o que o produtor norte-americano consegue, e seis vezes maior do que o produtor indiano”, afirma Busato. Segundo ele, esse salto produtivo não é obra do acaso. “É um somatório de tecnologias”, explica. A combinação vai desde o desenvolvimento de sementes geneticamente adaptadas até a aplicação contínua de práticas que melhoram a fertilidade e a matéria orgânica do solo. Esse processo de inovação tornou-se um ciclo virtuoso: quanto mais o solo é cuidado, mais ele responde em produtividade e resiliência.

Isabela Busato, Agrônoma – Foto: Ketheleen Serra
A terceira geração de produtores também confirma a transformação no campo. Isabela Busato relembra que, no passado, o pé de algodão era alto e difícil de colher, o que encarecia a produção e diminuía a eficiência. Hoje, as variedades são menores, mais densas e muito mais produtivas.
“Desde que a gente começou a produzir, o pé de algodão era muito grande. Hoje o algodão bate na nossa cintura. Isso é o quê? Avanço tecnológico voltado para a questão de variedades mais baixas e mais carregadas. A gente não precisa ter uma altura muito grande, a gente quer a pluma”, detalha Isabela. O depoimento dela revela como a evolução da ciência no campo impacta diretamente a rotina da produção, reduzindo custos, otimizando colheitas e ampliando a competitividade da fibra baiana.

Avanços tecnológicos marcam os 25 anos da ABAPA – Foto: Ketheleen Serra
Plantio direto e uso de Bioinsumos:
Além da genética, outro pilar da produção sustentável do Oeste é o Sistema de Plantio Direto (SPD). A técnica, que consiste em semear sem revolver o solo e mantê-lo coberto por palha, é hoje considerada fundamental para o sucesso do sequeiro.
De acordo com técnicos da ABAPA, o SPD funciona como uma “capa protetora” do solo. Ele reduz erosão, mantém a umidade e aumenta a matéria orgânica, fatores decisivos para garantir produtividade mesmo em períodos de estiagem. Essa prática, associada ao uso racional de insumos, demonstra como a Bahia constrói uma cotonicultura resiliente ao clima.
Outro elemento-chave do manejo sustentável é o uso de bioinsumos. Em vez de depender apenas de defensivos químicos, produtores baianos estão investindo em microrganismos e agentes biológicos para o controle de pragas. Júlio Busato reforça que essa estratégia significa economia e proteção ambiental.
Após a implementação da prática, observou-se não apenas a redução da toxicidade ambiental, mas também o fortalecimento do solo e das plantas. O resultado é um algodão que chega ao mercado com uma pegada ecológica mais leve, atendendo às demandas de consumidores cada vez mais atentos à origem dos produtos que consomem.
Gestão hídrica: o foco na preservação de nascentes
A vocação da Bahia para o algodão de sequeiro já revela um uso altamente eficiente da água. Porém, o compromisso do setor vai além da lavoura. O Programa Nascentes do Oeste, apoiado pela ABAPA, é hoje um exemplo reconhecido de gestão ambiental.
De acordo com especialistas envolvidos, a iniciativa combina mapeamento georreferenciado, diagnóstico ambiental e ações práticas, como cercamento de áreas e plantio de árvores nativas. O objetivo não é apenas recuperar nascentes degradadas, mas garantir que as próximas gerações tenham acesso à mesma qualidade e abundância de água que permitiram o avanço da produção atual.
O projeto foi premiado pela Agência Nacional de Águas (ANA), reforçando o protagonismo baiano na integração entre produção agrícola e preservação ambiental. Essa sinergia mostra que a sustentabilidade deixou de ser apenas discurso e passou a ser estratégia central de competitividade.
Agricultura 4.0: a otimização de recursos Se no passado o algodão dependia apenas da experiência do agricultor, hoje ele depende também de dados de alta precisão. O Oeste da Bahia adotou em larga escala a Agricultura 4.0, que combina drones, satélites e sensores para monitorar a lavoura.

Gustavo Prado, Diretor executivo da ABAPA – Foto: Ketheleen Serra
Segundo Gustavo Prado, Diretor Executivo da ABAPA, essa transformação elevou a eficiência da produção a um novo patamar.
“Todas as tecnologias que foram absorvidas resultaram em otimização de recursos e em melhoria de qualidade. As colheitadeiras de hoje são muito mais preparadas do que as de antes, o que permite aumentar um pouco a velocidade sem estragar tanta fibra”, explica Prado.
Esse avanço não se restringe às máquinas. Isabela Busato cita como exemplo as colheitadeiras modernas que, no próprio campo, já embalam o algodão em rolos protegidos por filme plástico, preservando a fibra até sua chegada à indústria.“A Deere lançou a máquina que a gente usa hoje. Ela, dentro da própria máquina, conforme vai colhendo, vai formando o que a gente chama de um rolinho de algodão, e envolve ele num filme, num plástico, e já despeja assim que estiver pronto. Isso é tecnologia absurda”, detalha Isabela.

Rolos protegem fibra de algodão – Foto: Ketheleen Serra
Essas inovações reduziram perdas, aumentaram a qualidade final e reforçaram a imagem da Bahia como referência em produtividade inteligente.
Certificação ESG
Nenhuma dessas conquistas teria impacto no mercado internacional se não viessem acompanhadas de transparência e rastreabilidade. Nesse aspecto, a Bahia é pioneira: quase 100% dos produtores aderiram ao Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR).
De acordo com Júlio Busato, esse é um diferencial que nenhum outro país consegue oferecer em escala.
“É o único lugar no mundo que você passa o seu celular no QR Code e você sabe onde e por quem aquele fardo de algodão foi produzido é o Brasil, e a Bahia na frente com quase 100% dos produtores com essa rastreabilidade”, comemora.
Essa certificação é complementada pelo trabalho do Centro de Análise de Fibras da ABAPA, o maior da América Latina, com capacidade para 60 mil análises por dia. O
laboratório garante a padronização da fibra e fortalece a credibilidade da marca Cotton Brazil nos principais mercados compradores. Ao mesmo tempo, iniciativas como o Sou ABR, que usa tecnologia blockchain para rastrear a cadeia produtiva, permitem ao consumidor final acompanhar cada etapa, do campo à confecção. Isso coloca o algodão baiano em sintonia com a exigência de moda sustentável que cresce em todo o mundo.

Bahia se consolida como segundo maior produtor de algodão do Brasil – Foto: Arquivo Pessoal